
Como fazer biometano e qual o seu papel na descarbonização
Diante da urgência climática e da necessidade de modernização das matrizes energéticas, o biometano se destaca como uma das soluções mais concretas, escaláveis e alinhadas à realidade brasileira. Produzido a partir da purificação do biogás — gerado na decomposição de resíduos orgânicos — o biometano é um gás renovável, com composição equivalente à do gás natural de origem fóssil, mas derivado do carbono biogênico. Isso significa que sua queima ou uso energético não adiciona CO₂ novo à atmosfera.
Além do desempenho ambiental, o biometano representa uma oportunidade estratégica para empresas, governos e municípios que desejam alinhar competitividade, segurança energética e descarbonização. É um combustível que pode ser produzido localmente, a partir de matérias-primas abundantes no país — como vinhaça, torta de filtro, resíduos da mandioca e do óleo de palma, dejetos animais e fração orgânica de resíduos sólidos urbanos — transformando passivos ambientais em ativos energéticos e econômicos.
Hoje, o Brasil possui um dos maiores potenciais técnicos do mundo para a produção de biometano: mais de 44 bilhões de metros cúbicos por ano, segundo levantamento da Universidade de São Paulo. No entanto, menos de 2% desse volume é explorado. Isso significa que saber produzir biometano de forma eficiente e tecnicamente estruturada é mais do que uma questão operacional, é uma decisão estratégica para antecipar tendências, ampliar a autonomia energética e posicionar negócios na vanguarda da transição energética global.
Neste artigo, explicamos o passo a passo da produção, as tecnologias envolvidas, os benefícios concretos para diferentes cadeias produtivas e o papel do biometano na construção de uma matriz energética regenerativa e de baixo carbono.
O que é biometano e por que ele é diferente de outros biocombustíveis?
O biometano é um gás renovável obtido a partir da purificação do biogás — mistura composta principalmente por metano (CH₄) e dióxido de carbono (CO₂), gerada durante a digestão anaeróbica de resíduos orgânicos. O processo de purificação remove o CO₂, a umidade e outras impurezas, resultando em um gás com até 98% de metano, com características energéticas semelhantes ao gás natural de origem fóssil.
A grande diferença do biometano em relação a outros combustíveis está na sua origem e no ciclo do carbono envolvido. Como é produzido a partir de resíduos orgânicos — como vinhaça, torta de filtro, efluentes industriais, dejetos de animais e resíduos sólidos urbanos — o carbono que compõe o biometano já fazia parte do ciclo natural da atmosfera. Ou seja, sua queima não adiciona carbono novo ao sistema, ao contrário dos combustíveis fósseis que liberam carbono armazenado há milhões de anos.
Além disso, o biometano apresenta vantagens operacionais e estratégicas sobre outros biocombustíveis, como o biodiesel ou o etanol:
- Pode ser comprimido (BioGNV) ou liquefeito (BioGNL), permitindo seu uso em transporte pesado, veículos leves, geração elétrica e aplicações industriais;
- É compatível com a infraestrutura existente de gás natural, incluindo dutos, compressores e sistemas de armazenamento;
- Gera subprodutos valiosos, como o digestato, que pode ser utilizado como fertilizante biológico;
- Permite a geração de Créditos de Descarbonização (CBIOs) no RenovaBio, agregando valor econômico à produção.
De acordo com nota técnica da EPE (2024), a intensidade de carbono do biometano é até 2,5 vezes menor do que a da eletricidade usada em veículos, quando avaliado com base no ciclo de vida completo do combustível.
Essas características tornam o biometano um combustível de alta performance ambiental e operacional, com potencial de transformar não apenas a matriz energética, mas também a lógica de uso e reaproveitamento dos resíduos no Brasil.
Quais resíduos são usados na produção de biometano e como escolhê-los
A escolha da biomassa é uma das etapas mais estratégicas para a produção eficiente de biometano. Isso porque o tipo de resíduo utilizado impacta diretamente o rendimento energético, os custos operacionais e a viabilidade técnica do projeto.
De forma geral, os resíduos orgânicos com maior potencial para geração de biometano apresentam alta carga de matéria orgânica biodegradável, especialmente com altos índices de Demanda Química de Oxigênio (DQO) e Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO). Entre os principais tipos de biomassa utilizados no Brasil, destacam-se:
1. Resíduos agroindustriais
- Vinhaça e torta de filtro (setor sucroenergético);
- Resíduos da mandioca (efluentes ricos em amido e matéria orgânica);
- Resíduos do óleo de palma (efluentes líquidos e sólidos);
- Casca de arroz, bagaço de frutas e subprodutos da indústria alimentícia.
Esses resíduos são gerados em grande volume e têm fácil acesso em regiões com forte presença agroindustrial, como o interior de São Paulo, Paraná, Goiás e parte da Amazônia Legal.
2. Dejetos da pecuária
- Suinocultura, bovinocultura e avicultura.
- Têm alto poder metanogênico e são especialmente viáveis em regiões de concentração de granjas e confinamentos, como o Oeste catarinense e o Sudoeste do Paraná.
3. Resíduos sólidos urbanos (RSU)
- A fração orgânica dos resíduos domésticos, coletada por prefeituras ou empresas operadoras.
- Quando separada e tratada adequadamente, possui alto potencial para biodigestão, além de permitir a geração de energia limpa em centros urbanos.
4. Efluentes industriais líquidos
- Como os da indústria de alimentos, papel e celulose, curtumes, cervejarias e frigoríficos.
- Muitas vezes esses resíduos são descartados com alto custo de tratamento. Utilizá-los como insumo energético reduz passivos ambientais e gera valor adicional.
De acordo com o relatório Perspectivas para o biogás e o biometano, da Agência Internacional de Energia (IEA), cerca de 80% do potencial global de produção de biogases está em economias emergentes e em desenvolvimento — especialmente em países onde a agricultura tem papel estratégico. Índia, Brasil e China se destacam nesse cenário, concentrando grande parte desse potencial produtivo.
Regulamentação e viabilidade econômica da produção de biometano no Brasil
Produzir biometano no Brasil deixou de ser apenas uma aposta ambiental para se tornar uma oportunidade concreta de negócio. Esse cenário foi viabilizado por um conjunto de avanços regulatórios, incentivos financeiros e políticas públicas que vêm amadurecendo nos últimos anos.
RenovaBio e geração de CBIOs
O programa RenovaBio, instituído pela Lei nº 13.576/2017, é uma das principais políticas de incentivo à produção de biocombustíveis no Brasil. Ele estabelece metas anuais de descarbonização e reconhece o papel estratégico do biometano na redução de emissões.
Empresas produtoras de biometano certificadas pelo programa podem emitir CBIOs (Créditos de Descarbonização) — ativos financeiros negociáveis na B3. Cada CBIO equivale a uma tonelada de CO₂ evitada. O biometano é um dos combustíveis com maior eficiência energética e menor intensidade de carbono, o que garante uma alta nota de eficiência energética ambiental (NEEA) no processo de certificação.
Nota técnica da EPE: desempenho superior na descarbonização
Uma nota técnica publicada em 2024 pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) comparou a intensidade de carbono de diferentes combustíveis utilizados no setor de transportes no Brasil. O resultado posiciona o biometano como um dos mais eficientes:
- Biometano certificado: 8,35 gCO₂eq/MJ
- Eletricidade (rede brasileira): de 10 a 21 gCO₂eq/MJ
- Gasolina: ~89 gCO₂eq/MJ
Esses dados consideram o ciclo completo “do poço à roda” e demonstram o potencial do biometano como solução para descarbonizar o setor automotivo com desempenho superior à eletrificação em determinadas aplicações.
Isenção tributária e incentivos estaduais
Diversos estados brasileiros têm adotado medidas para fomentar a produção e o consumo de biometano. Entre elas:
- Isenção de ICMS na comercialização interestadual de biometano em estados como Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia.
- Redução do imposto sobre equipamentos para biodigestores, sistemas de purificação e armazenamento.
- Chamadas públicas para aquisição de biometano por distribuidoras estaduais de gás canalizado, como as realizadas pela Compagas (PR) e Naturgy (RJ).
Essas iniciativas reduzem o tempo de retorno dos projetos e ampliam sua atratividade para investidores. Exemplos:
SEFAZ-SP – Isenção de ICMS para biometano
O Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Fazenda (SEFAZ-SP), implementou a isenção de ICMS na comercialização de biometano, como forma de incentivar a produção e o uso de combustíveis renováveis.
A medida, regulamentada pelo Convênio ICMS nº 16/15 e posteriormente prorrogada e ampliada, abrange operações internas e interestaduais, desde que atendam às especificações técnicas e sejam devidamente registradas junto aos órgãos competentes. Essa política fiscal tem contribuído para tornar os projetos mais viáveis economicamente, reduzindo custos e acelerando o retorno sobre o investimento.
Compagas – Chamadas públicas para aquisição de biometano
A Companhia Paranaense de Gás (Compagas) tem promovido chamadas públicas recorrentes para a aquisição de biometano, com o objetivo de diversificar sua matriz de suprimento e ampliar a participação de fontes renováveis na distribuição estadual.
As chamadas são abertas a produtores que atendam critérios técnicos e logísticos, podendo fornecer o gás por meio de conexão à rede ou transporte via GNC (gás natural comprimido). Essa iniciativa fortalece o mercado regional de biometano, oferece segurança contratual aos produtores e viabiliza o escoamento de volumes em escala comercial.
Demanda crescente e projeções de expansão
O mercado brasileiro de biometano está em franca expansão:
- Segundo a ANP, até julho de 2025, havia 14 unidades produtoras autorizadas a operar com biometano.
- A EPE projeta que o país terá mais de 35 usinas até 2027, com capacidade instalada superior a 2,1 milhões de m³/dia de biometano.
Esse crescimento é impulsionado pela alta demanda de empresas interessadas em reduzir emissões, substituir o diesel em frotas e garantir estabilidade energética em regiões sem infraestrutura de gás natural.
Por que investir em biometano é uma estratégia de longo prazo
A produção de biometano não é apenas uma resposta imediata às exigências de descarbonização. Ela representa uma estratégia sólida de diversificação energética, redução de custos e valorização de resíduos, com retorno ambiental e financeiro duradouro.
1. Segurança energética e independência de fontes fósseis
Ao produzir energia a partir de resíduos locais, empresas e municípios tornam-se menos dependentes de combustíveis fósseis e da volatilidade dos mercados internacionais. O biometano pode ser utilizado no transporte, em processos térmicos industriais ou mesmo injetado na rede de gás natural canalizado — com previsibilidade de custos e menor risco de abastecimento.
2. Interiorização da infraestrutura energética
Projetos de biometano permitem gerar energia próxima à fonte de resíduos, evitando a necessidade de grandes investimentos em transporte ou redes de distribuição. Isso fortalece economias regionais, leva energia a territórios ainda não atendidos e potencializa o uso da infraestrutura já existente (gasodutos, veículos adaptados, usinas térmicas).
3. Monetização de passivos e valorização ambiental
Resíduos que antes geravam custo para descarte ou tratamento agora se tornam ativos energéticos. Além do biometano, o processo de biodigestão também gera fertilizante biológico (digestato), que pode substituir insumos químicos e melhorar o manejo do solo. Esse ciclo positivo gera ganhos produtivos, reduz impactos ambientais e facilita o acesso a programas de certificação ambiental.
4. Acesso a novos mercados e instrumentos financeiros
Empresas que investem em biometano estão mais bem posicionadas para:
- Participar de programas como o RenovaBio;
- Emitir CBIOs e créditos de carbono;
- Cumprir exigências ESG de grandes cadeias produtivas;
- Se destacar em licitações e contratos com metas ambientais;
- Atrair capital de fundos verdes e investidores institucionais.
Biometano: solução regenerativa, rentável e estratégica
Em um cenário em que sustentabilidade e competitividade caminham juntas, o biometano se consolida como uma das soluções mais completas e viáveis para descarbonizar operações, gerar valor com resíduos e fortalecer territórios produtores.
A Sebigas Cótica atua com foco em projetos de bioenergia de alta performance, com soluções personalizadas para agroindústrias, usinas e municípios que buscam transformar seus resíduos em energia limpa, receita e protagonismo no mercado de baixo carbono.
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